domingo, 1 de maio de 2011

Primeiro de Maio


É possível compreender certas características de um povo por meio da observação de suas comemorações populares. Ou seja, ao observarmos como a população se comporta em certas datas simbólicas específicas, podemos compreender certas traços essenciais de sua natureza e do seu estado de espírito em determinado momento de sua história. São significativas, neste sentido, as comemorações do dia primeiro de maio pelo mundo. Em alguns países, por um lado, esta data é marcada por protestos, marchas, reivindicações e confronto. Já em outros países, por outro lado, a data é comemorada com festas, shows de artistas populares e diversão.

Ainda que seja cada vez mais comum esvaziar o caráter simbólico de certas datas, reduzindo-as a meros feriados, nos quais, em meio ao lazer e à diversão, pouco se pensa no que as datas em questão se propõem a homenagear, faz-se necessário pensá-las com veemência. Ou seja, devemos relembrar o que as datas comemoram e utilizá-las como ponto de partida para uma reflexão. Sendo assim, no dia primeiro de maio, data na qual se comemora o dia do trabalhador, devemos empregar pelo menos alguns minutos de nosso dia de feriado na reflexão sobre aquilo a que este dia se consagra. Pois bem, por que se comemora o dia do trabalho em primeiro de maio?

A instituição do primeiro de maio como o “dia do trabalhador” remonta aos fatos que ocorreram ao longo dos primeiros dias de maio de 1886 na cidade de Chicago, nos EUA. Reunidos em manifestação no dia primeiro de maio de 1886, milhares de trabalhadores reivindicavam a redução da jornada de trabalho para oito horas diárias. Dois anos antes, a FOTLU (Federation of Organized Trades and Labor Unions), uma federação que congregava diversas organizações sindicais dos EUA e do Canadá, emitiu uma resolução que instituía o dia primeiro de maio de 1886 como uma data a partir da qual jornadas de trabalho acima de oito horas não seriam mais toleradas. Quando esta data chegou, ocorreram comícios e protestos nas principais cidades norte americanas. O centro de todo este movimento era a cidade de Chicago, cidade a partir da qual se coordenava uma greve geral.



No dia três de maio, a polícia de Chicago reprimiu com violência exagerada uma manifestação pacífica dos trabalhadores ainda em greve, resultando na morte de seis trabalhadores e diversos feridos. Indignados com este ato, que reprimiu com bestialidade um movimento até então pacífico, os trabalhadores foram novamente às ruas no dia seguinte, dia quatro de maio. Concentrados na praça Haymarket, os manifestantes protestavam pacificamente quando a polícia decidiu dispersar a multidão. Os ânimos se exaltaram. O povo, revoltado, reagiu. E o caos tomou conta do lugar. Uma bomba foi atirada em direção às forças de repressão, resultando na morte imediata de dois policiais. Cinco outros morreram depois, vários deles vítimas de balas disparadas por seus próprios companheiros. Doze trabalhadores foram mortos e diversos foram feridos. Este acontecimento tornou-se conhecido como a Revolta de Haymarket. Em 1889, a Segunda Internacional Socialista, em homenagem aos mártires de Chicago, declara o dia primeiro de maio como o dia internacional do trabalhador, dia no qual serão feitas reivindicações e marchas de trabalhadores organizados.

No Brasil, até pouco antes do início da era de Getúlio Vargas (1930-1945), o movimento operário, incipiente no país ainda pouco industrializado, celebrava o primeiro de maio como uma data de protestos e reivindicações. Ao longo do governo de Getúlio Vargas, no entanto, sob a égide ideológica de seu trabalhismo, o dia primeiro de maio se transforma gradualmente em um dia destinado a comemorar não exatamente o trabalhador e sua luta, mas simplesmente o trabalho. Apesar de sutil, esta mudança altera significativamente o caráter e a postura assumida pelos trabalhadores no primeiro de maio. Se, antes, era um dia comemorado com passeatas, protestos, reivindicações e até mesmo confrontos, depois passou gradualmente a ser um dia comemorado com festas populares, shows de artistas famosos ou simplesmente com o puro ócio. Esta tendência prossegue ainda em nossos dias, conforme ilustram a celebrações realizadas nas principais capitais do país.         

Temos hoje, felizmente, a liberdade ao menos de escolher o que vamos fazer em nossos feriados. Gozamos até mesmo da liberdade de não pensarmos naquilo que o feriado se propõe a homenagear. Mas não convém esquecer que, se hoje temos certas conquistas, como a jornada de trabalho de oito horas e até mesmo feriados, devemos isso a certas pessoas que abriram mão de suas individualidades e colocaram suas vidas em risco nas ruas, nas barricadas e nos confrontos com a repressão. Devemos honrar os que lutaram – e os que continuam lutando – para que hoje possamos gozar até mesmo da liberdade de ignorá-los. Por isso, ainda que no Brasil, hoje, ao contrário do que ocorre nas principais cidades do mundo, o dia do trabalhador seja comemorado sobretudo por meio da diversão, não devemos esquecer o exemplo dos trabalhadores de Chicago que, pelo menos naquele primeiro de maio, não foram às ruas para dançar, mas para lutar.

Minha foto Fonte: "Sentinela do Absurdo" - Blog do Professor Rafael Huguenin

"Procurei-me a mim mesmo" (ἐδιζησάμην ἐμεωυτόν, Heráclito, Fr. 101)
 

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